quarta-feira, 17 de maio de 2017

prefiro ver os médicos vestidos de branco


fui para um pronto socorro de um hospital público
acompanhando um paciente que teve convulsões.
o paciente era diabético e vomitava muito.
era quase uma da manhã.

__tem que aguardar um pouco.
__ele não está muito bem e me preocupa a diabetes.
__espera no corredor, não vai demorar.

não tinha outra opção e aguardamos.
até que não demorou muito.
quarenta minutos depois passa por nós uma jovem a passos largos
trazendo à tiracolo uma bolsa estampada.
parou pouco mais à frente e perguntou:
__joão é vocês?
__sim!(somos todos joão!)
__me acompanha aqui.

entramos no consultório.
era a médica.

estava um pouco descabelada mas era uma mulher bonita.
a impressão que eu tive era que ela estava chegando direto da balada.
a roupa era de balada.
bom, quem nunca né?
foi apenas uma impressão.

colocou a bolsa sobre a mesa e começou a fazer as perguntas de praxe
enquanto digitava.
um enfermeiro já havia verificado os sinais vitais e a taxa de glicemia,
com os dados em mãos, digamos que o atendimento foi agilizado.

__vai pra sala de medicação, depois eu avalio o seu quadro.

não sei dizer a cor dos olhos daquela jovem médica.

na hora da dor ou nas grandes alegrias,
nos momentos mais difíceis da vida e no nascimento de um filho,
estamos sempre acompanhados pelos médicos.
os profissionais da saúde tem esse privilégio:
de estarem ali, diante da pequenez de todo ser humano moribundo,
de poderem, de alguma forma, ser a cura, a esperança e de,
por quê não, ser deus?
tem uma piada, muito contada nas universidades, que traz um pouco desse imaginário coletivo:

o cara, quando estuda medicina, pensa que é deus,
quando forma, tem certeza que é deus.

é uma piada de muito mal gosto mas traz um pouco de verdade.
me recordo de uma médica no paraná, diretora de um hospital particular,
que decidia quem deveria morrer
com a boa intenção de abrir vagas nos leitos de u.t.i.
terrível!

e por falar em momentos difíceis...
recordo-me do sofrimento que foram os últimos dias de vida da minha mãe.
ela tinha problemas cardíacos e, poucos meses antes do seu falecimento,
as crises se intensificaram.
ela era paciente de um renomado cardiologista da cidade.
o doutor atendia na rede pública mas era proprietário de um consultório.
devido as demoras entre as consultas, às vezes recorríamos aos encaixes.
nas consultas normais o atendimento deste importante profissional
já era bem seco.
se o acompanhante perguntasse algo ele ignorava e voltava a pergunta para o paciente,
se o paciente perguntasse algo ele dizia que era assim mesmo.
uma coisa eu tenho certeza:

ele era impaciente.

aí vem um monte de gente dizer:
__ahhh na rede pública não tem estrutura!
__ahhh na rede pública é sempre lotado e não dá pro médico ficar demorando nas consultas!
__ahhh na rede pública o médico é maltratado pelos pacientes!
__ahhh na rede pública é uma bagunça!
__ahhh é assim mesmo!!

sim, uma série de fatores que interferem na qualidade do atendimento
mas que não deveriam interferir no respeito pelo próximo.
um juramento lindo como é o da medicina não poderia ser esquecido assim.

numa das crises da minha mãe não conseguimos um encaixe com o médico.
a situação não poderia esperar e marcamos uma consulta no consultório particular.
pagamos adiantado e em dinheiro vivo e o médico que nos tratava à pão e água
ofereceu-nos um banquete.
pela primeira vez ele sorriu pra gente.
minha mãe ficou abismada
e eu, nem tanto.
respondeu a todos os questionamentos com paciência e ternura na voz.
olhava em nossos olhos.
nos vimos pela primeira vez.
apesar de tudo,
o bom atendimento fez com que minha mãe saísse daquele consultório renovada.
um pouco de atenção, um sorriso, isso faz muita diferença para qualquer um.
isso vale para qualquer profissional.

eu mesmo, quando vou comprar alguma coisa e a loja está lotada,
me sinto extremamente mal com os vendedores
que passam pela gente como se não existíssemos.
poxa, quem precisa de mim são eles!
um simples "opa! daqui a pouco te atendo!" já me faz esperar,
caso contrário, saio e talvez nunca mais volte naquele lugar.
o desprezo e a indiferença são coisas que ninguém quer.

recentemente explodiu nas redes sociais fotos de estudantes
de medicina em poses informais e um tanto quanto descabidas
para a profissão.
nossos futuros médicos arriaram suas calças
e deixaram que seus jalecos ficassem como a única barreira
entre seus órgãos genitais e seus pacientes,
ao mesmo tempo que, com as mãos, faziam o famoso sinal do ronaldinho, o gaúcho.
seriam futuros rogers abdelmassihs??

é de entristecer.

alguns detalhes fazem toda a diferença.
não sei se sou conservador,
mas quando vou ao hospital
prefiro ver os médicos vestidos de branco
e, de preferência, com um estetoscópio no pescoço.

__aquele é o médico!!

facilita a identificação e não deixa de ser uma referência ao branco da paz que precisamos.

e por falar em paz, me lembrei de um ocorrido!
ao sair do consultório com as receitas para medicação,
cheguei na sala onde estavam os enfermeiros e técnicos,
disse bom dia e perguntei se poderia entrar com o paciente.
ora, ninguém me respondeu.

__bom dia gente!! vocês podem pegar essas receitas aqui?
__(...)
__oi, bom dia! você pode ver isso pra mim??
__(...)
__ôoo desgraça!! tô com a pessoa passando mal aqui!!
__calma senhor!! não precisa ficar nervoso!! mal educado!!

e fomos atendidos.

ah! e o dia que estava acompanhando outro paciente
e, após o atendimento e a devida medicação,
coisa que já nos mantinha no hospital quase três horas,
fomos orientados a aguardar um parecer médico para, finalmente,
receber alta.

__aguarde naquela sala que a doutora vai lá.
__ok.

esperamos...esperamos...esperamos...
e nada da médica ir fazer a avaliação do paciente.
diante da demora cheguei no balcão e perguntei se ia demorar muito:

__tem que esperar a médica chamar!

esperamos...esperamos...esperamos...
cansamos de esperar e já era quase noite.
fui para o corredor e aguardei a médica passar para conversar com ela
e tentar agilizar a avaliação.
ela passou uma vez e falei:
__doutora fulana! a senhora pode....
ela passou reto.
quando ela apontou no fim do corredor já fiquei de bucuia:
__por favor doutora, a senhora pode dar uma olhada no paciente! estamos esperand...
ela deve ter fingido que não me viu e nem me ouviu.
na terceira tentativa coloquei suavemente minha mão sobre o ombro dela,
não foi nem uma cutucada! fui extremamente sutil.
__não me toque!!!
__mas doutora! tô tentando falar com a senhora há muito tempo!
__qualquer informação você deve procurar na enfermaria ou no guichê!
__pois é...já fiz isso mas todos me disseram que só a senhora pode liberar o paciente!
e nós já estamos aqui a tarde toda!
__aguarde na sala que daqui a pouco passarei lá.

e foi assim que esperamos mais um pouquinho.
creio que meu erro foi tocar no ombro sagrado de uma médica.
precisava ser assim?
o que vale é o amor.
se não está feliz na profissão,
se pensou que um hospital público seria um paraíso,
precisa acordar para nossa triste realidade
e não usar da prepotência e da ladainha dos culpados
para aumentar o sofrimento de quem já sofre.