quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

inverno e um novo tipo de vírus no ar


estávamos na china comunista que é capitalista,
não existia a liberdade porque isso o dinheiro não comprava,
também, num regime totalitário, uma classe sempre será a culpada.
a coisa era séria.
um campo de concentração feito de vários contêineres.
saí de um desses cubículos quentes rumo ao refeitório
ladeado por outras pessoas mais magras do que eu.
aliás, eu estava até bem ainda com 45 quilos.

tudo começou no brasil quando fui recrutado
para trabalhar no gigante asiático
em meio às promessas de muito dinheiro
e lazer garantido, uma oportunidade para quem
já estava cansado do regime brasileiro.
os chineses bons de lábia nos prometiam
tudo e ainda pagavam todas as nossas despesas de viagem.
fui.

ao chegar na china peguei um mal momento:
inverno e um novo tipo de vírus no ar.
milhares de pessoas infectadas e alto índice de mortalidade.
o problema era local e estava sendo guardado do resto do mundo.
assim que saímos do avião fomos colocados num ônibus gigante e silencioso.
ninguém falava, ninguém questionava.
resolvi também me calar.

no caminho para não sei onde via a grande cidade vazia.
a poluição das grandes cidades chinesas, naquele momento, era ficção.
chegamos num lugar afastado e repleto de pequenos barracos
improvisados em contêineres.
muita gente sendo tocada feito gado,
olhos tristes e um exército truculento.
era um campo de concentração, não tinha dúvida.
raparam meus cabelos e me colocaram uma roupas tosca.
um escorpião estava descendo como se fosse uma aranha,
lançando teia.
em breve estarei comendo-o.
__bem vindo à china, bebê!

um grupo de soldados veio nos levar até o refeitório,
jogaram a comida numa xícara sem alça e disseram:
___coma!!
bom, só pode ter sido isso que disseram pra mim,
não sei nada de mandarim.
comida ruim.
ao invés de comer, comecei a beber aquele caldo de gosto estranho.
seria a sopa de morcegos?
o almoço foi rápido, sem direito a uma sesta,
fomos levados para o trabalho pesado.
vi pessoas mortas e pessoas mortas vivas.
comecei a pensar numa fuga.

ainda não sei como o porquê de não me lembrar,
mas fugi e comecei a filmar tudo secretamente.
consegui uma filmadora pequena mas muito boa
e, escondido no meio das pedras e cadáveres,
registrava o passo a passo dos soldados,
suas violências e maldades,
suas atitudes covardes.
finalmente, o mundo conheceria a verdade.
___bom dia!

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

olhei pela fresta da porta


era um dia qualquer de 1983.
ela estava cansada de andar
e seus pés já estavam sangrando.
os calos se formaram onde tocavam
as alças dos chinelos.

apesar de tudo, mantinha no rosto
o semblante de quem estava bem.
já éramos oito crianças
e não sabíamos o quanto era desafiador
sermos todos cuidados e amados.

ela estava doente e ainda cuidava das nossas doenças.

nosso pai chegou embriagado
e exigiu que ela fosse se deitar.
olhei pela fresta da porta
e a vi em pé, chorando.
o pai estava deitado na cama
e batendo forte no colchão:
__aqui! aqui!!

num lapso, a história foi apagada
e me vi, posteriormente,
conversando com ela, minha mãe natureza:

__tenho que agradar todos vocês.
__mas o pai queria te bater.
__se eu não agradar ele as coisas ficarão piores.
__a senhora é linda.

esse momento onírico foi intenso
e revelou um pouco mais da natureza
inspiradora da minha amada.
sempre saudades.