sexta-feira, 16 de março de 2018

por que a morte da preta fez mais sucesso que a morte da branca?


por que a morte da preta fez mais sucesso que a morte da branca?
sobre as duas mulheres assassinadas não sei quase nada,
apenas as informações disponíveis na rede.
uma coisa é certa que sei:
ambas eram gente!
e precisam do nosso respeito.
eram vida e nenhuma dessas vidas perde seu valor
por estarem em contextos diferentes.
deveria ser assim,
mas tem gente que aproveita de qualquer situação
para começar mais um embate, colocando na pauta
a defesa de suas convicções políticas, religiosas,
etc etc etc.
ninguém é melhor que ninguém porque morreu
assim ou assado.
deixem o assado para as carnes fracas
e vamos falar de amor à vida.

a morte da vereadora marielle franco foi numa emboscada,
uma evidente execução.
ela era política desde sempre.
preta, cria da favela, mãe, ativista.
a partir do momento que alguém decide lutar por causas que considera
justas (ou injustas), está fazendo política.
marielle era defensora dos direitos humanos.
alguns criticam os direitos humanos mas um dia precisará
de alguém que o considere merecedor desses cuidados.
com um preconceito horrendo, dizem que se trata de "direitos dos manos",
uma maneira pejorativa de se referir ao conjunto de direitos naturais
garantidos a todo e qualquer indivíduo, independentemente de sua classe social, etnia,
gênero, nacionalidade ou posicionamento político.
os direitos humanos existem para os bandidos
também!

amanhã vai ser outro dia...

vai que você, homem de bem,
por acaso esteja armado e se envolva numa briga de rua
e, "sem querer", atira contra aquele que pisou no seu pé.
na sequência você vai parar atrás das grades em uma cela lotada,
conhece o excelente sistema prisional brasileiro
misturado a muitos homens do mal, bandidos perigosos,
sanguinários, enfim, pessoas que não se parecem nada com você.
nessa hora você clamaria pelo povo subversivo dos direitos dos manos,
clamaria por um pouco de água e ar, por uma privada particular.

a propósito, neste ano celebramos os 70 anos da declaração universal dos direitos humanos,
uma iniciativa da organização das nações unidas.
os inúmeros tratados sobre o assunto tentam garantir a dignidade de tanta gente que sofre,
quer sejam as crianças massacradas na síria, quer sejam os prisioneiros em guantánamo,
ou mesmo o jovem que perdeu a vida naquela favela,
ou o empresário que foi vítima de um latrocínio na zona sul.

os direitos são para os seres humanos!

uma nova frase de efeito já virou chavão:
"direitos humanos para humanos direitos!"
nada mais justo, não é?
humano direito ou humano errado, seremos sempre humanos!
assim como a banalização da vida pelos bandidos e assassinos é algo terrível,
dar a eles o mesmo veneno nos faz ainda piores.

a vereadora denunciava a violência policial de um batalhão
conhecido pela suave alcunha de batalhão da morte.
por sinal, estava comovida pela morte de mais um jovem favelado.
o rapaz estava voltando de uma igreja quando,
supostamente, passou por uma guarnição da pm, desobedeceu a ordem de parada e pá! foi alvejado.
pronto.
a única versão que temos é a versão dos policiais
porque o jovem matheus melo já era.
sem ficha criminal, trabalhador, favelado e preto.

eu mesmo já desobedeci a uma suposta ordem de parada
e quase levei tiro.
estava voltando de um trabalho voluntário
que consiste em servir alimentos e agasalhos para os moradores de rua.
era por volta das duas e meia da madrugada,
estava dirigindo um fiat 147 com excesso de carga e excesso de passageiros.
sim! cometendo infrações de trânsito!
saímos com o número certo de passageiros mas
na volta havíamos acolhido dois moradores de rua.
estávamos no trecho urbano da br050 em uberlândia, próximo ao bairro umuarama,
do nada, dois policiais federais rodoviários pularam no meio da rua
com uma lanterna no pisca-pisca.
__o que é isso?
__deve ser polícia! tá apontando arma! para!!
parei imediatamente alguns metros à frente.
__desobedecendo ordem de parada seu porra??
__me desculpe senhor, não percebi que era blitz!
__ninguém se mexe!!
__sim senhor...
__você desce, pega os documentos e abra o porta-malas!
__sim senhor...
__o que vocês estavam fazendo??
__estamos voltando da entrega de comida para os moradores de rua...
__por que não parou??
__senhor, não fazia a mínima ideia de que eram os senhores e nem que era blitz,
não vi cones e nem giroflex, além de tudo, tá muito escuro...
__ahh! vão embora e fiquem espertos! da próxima vez vão acabar levando tiro!

não foi dessa vez e espero que não seja na próxima.

marielle começou um movimento em resposta ao assassinato do jovem e de outros crimes
relacionados ao 41º batalhão de polícia, o temível batalhão da morte mas....
ela mesma foi a vítima.
além dela, o motorista do carro que a levava também foi assassinado.
anderson gomes morreu com os mesmos tiros que alvejaram marielle.
o crime está sendo investigado,
pode ser qualquer outra coisa,
podem ser outros mandantes,
mas a causa e o efeito nunca estiveram tão evidentes.

a morte da médica gisele palhares foi numa tentativa de assalto em 2016.
o crime foi na linha vermelha e o sangue inocente apenas tingiu um pouco mais o nome da via.
branca, vinda da classe média, médica determinada a seguir seu juramento de salvar vidas.
gisele era responsável por uma clínica popular e voltava de visita à pacientes.
seu futuro profissional era promissor, afinal, tinha apenas 34 anos.
toda uma história finalizada com um tiro fatal na cabeça.
era casada e seu esposo, também médico, hoje luta para que a justiça, um dia, seja feita.

gisele estava só em seu carro naquele fatídico 25 de junho.
provavelmente teve seu veículo fechado e tentou se esquivar dos bandidos.
bandido não tem coração e com a frieza certeira, alvejou logo a cabeça.
nunca foram descobertos.
mais um criminoso sem cara que matou e ficou impune para matar mais uma vez.

"quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?" franco, marielle - 2018.

a impunidade alimenta a criminalidade.
uma polícia corrupta, políticos corruptos,
tudo corrupto! com um sistema educacional
falido e abandonado,
vamos semeando dia após dia novas vítimas,
futuras vítimas, vítimas?
presente!

por que a morte da preta fez mais sucesso que a morte da branca?

é dessa maneira que os oportunistas estão tratando o assunto, desmerecendo a vida da vereadora de esquerda em detrimento da jovem médica, vítima de um crime de quase três anos atrás. um crime que, por sinal, não foi esquecido como os outros milhares de crimes ocorrido nesse ínterim contra o povo preto, pobre e favelado, ali mesmo, na cidade maravilhosa.
é triste ver que essa discussão sobreponha o valor da vida.
marielle não defendia bandidos, defendia a vida.
da mesma maneira que gisele.
é bem provável que a ação da marielle diminuía o trabalho da gisele.
se denunciamos as mortes, a violência, levamos os casos ao ministério público,
se exigimos justiça, certamente, o criminoso ficará mais atento
em suas ações, ou seja, dificultamos a ação de matar por matar.

tem quem tenha coragem para denunciar e bater de frente com esse sistema
repleto de milícias como é no rio de janeiro,
e que não se difere no resto do país, mas
pessoas assim são raridade, afinal, quem quer doar a vida pelo próximo?
os cristãos? sei...os cristãos...

a morte de uma mulher branca e bonita, médica e de classe média alta
é mil vezes mais rara que a morte incomunicável de mulheres pretas,
sem estudos, trabalhadoras subalternas.
um branco que morre é página de jornal,
mil pretos que morrem nem nota no rodapé!
o país é injusto com a população que é maioria,
que tem uma história de flagelos,
escravidão, exploração, de preconceitos,
de um eterno apartheid.
os bonitões dizem que isso é mi mi mi e seguem achando que o país é uma maravilha.

morreu um branco, um preto, amarelo ou um vermelho?
perdemos uma vida!

marielle era uma mulher que tinha essa coragem de bater de frente,
quantos não dependiam de sua voz como legisladora?
ela alçou um lugar ao sol para defender esse povo sofrido das favelas.
o impacto de sua morte é crucial para entendermos
os riscos de uma intervenção militar meramente eleitoreira.
é a censura explícita,
é o medo dos opressores
de serem taxados pelo que realmente são.
que a morte levante esse debate de maneira vivaz.
a morte da gisele também levantou um debate:
como acabar com a criminalidade?
estamos falando da mesma coisa!

faltam-nos educação.

gisele não bradava contra os opressores,
mas cuidava das vítimas deles.
marielle bradava contra os opressores
e cuidava das vítimas deles.
se formos botar no papel,
milhares de nomes anônimos mereceriam
o grifo amarelo.
sao seres humanos que tem valor
e que perderam suas vidas
devido à incapacidade de um governo!
o dinheiro desviado, os altos salários,
os impostos incandecentes,
tudo isso faz com que nossos direitos humanos
não saiam do papel.
chega de hipocrisia!
até quando vamos ficar defendendo auxílio moradia para juízes e negar salário justo aos nossos professores?
não morreu uma mulher preta, ativista ou famosa, não morreu uma mulher branca e médica, morremos nós todos, afogados num mar de intolerância, irracionalidade e corrupção.






Um comentário:

Lawrence disse...

Bela reflexão, que segue a um princípio que, apesar de ser básico e óbvio, não é compreendido pelas forças poderosas do orgulho e egoísmo. O "humano"!
Às vezes se confunde o respeito aos direitos humanos com proteção e impunidade ao infrator da lei.
Mas é possível eu entender que alguém, por ser extremamente perigoso à população, precise ficar 30 anos preso, sem sentir ódio por ele ou ela.
Não há nenhum problema em coexistir justiça e amor, em suas várias manifestações.
Em se tratando de um ser humano que por várias e talvez obscuras razões comete um crime, desejamos que exista um julgamento e condenação, o que não impede também de esperar que lá no fundo aconteça uma mudança, que a mãe dele um dia volte a sorrir, que ele tenha um trabalho e uma família, e que principalmente seja educado nos princípios valororosos que formam a alma humana para a vida no bem, que na minha opinião foram deixados por um tal Jesus.
Esperar essa recuperação daquele que errou é uma forma de amá-lo. Não porque ele errou e eu quero compactuar com isso por também ser eu um cara que erra ou ter um filho que venha a errar. Mas pelo simples fato dele ser HUMANO. E estando norteado pelos princípios cristãos (leia-se "cristão" tudo aquilo que foi dito e exemplificado por Jesus, e não processos da modernidade ou do paasado equivocados das religiões cristãs), devo chamá-lo irmão.
Toda essa confusão deve-se ao fato de termos nos polarizado demais acreditando em ideais que no fim das contas devem nos levar ao mesmo ponto. Queremos PAZ. Respeito. Fraternidade entre as pessoas.
Talvez um dia, Jack Albernaz, entendamos Jesus.