quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

olhei pela fresta da porta


era um dia qualquer de 1983.
ela estava cansada de andar
e seus pés já estavam sangrando.
os calos se formaram onde tocavam
as alças dos chinelos.

apesar de tudo, mantinha no rosto
o semblante de quem estava bem.
já éramos oito crianças
e não sabíamos o quanto era desafiador
sermos todos cuidados e amados.

ela estava doente e ainda cuidava das nossas doenças.

nosso pai chegou embriagado
e exigiu que ela fosse se deitar.
olhei pela fresta da porta
e a vi em pé, chorando.
o pai estava deitado na cama
e batendo forte no colchão:
__aqui! aqui!!

num lapso, a história foi apagada
e me vi, posteriormente,
conversando com ela, minha mãe natureza:

__tenho que agradar todos vocês.
__mas o pai queria te bater.
__se eu não agradar ele as coisas ficarão piores.
__a senhora é linda.

esse momento onírico foi intenso
e revelou um pouco mais da natureza
inspiradora da minha amada.
sempre saudades.

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