sábado, 25 de maio de 2019

de repente, uber eats!


carlinhos estava desempregado há dois anos e meio.
vivendo de bicos, o dinheiro mal dava para comprar
a cervejinha do final de semana.
trabalhava de servente, mototáxi e, quando pintava festa,
de garçon ou segurança.
vale lembrar que trabalhar em festa era o que o deixava mais animado,
servia uma pro convidado e tomava outra nos bastidores.

de repente, uber eats!

tentou ser uber mas não tinha habilitação para carros
mas quando pintou a entrega de comida por aplicativo
ele viu que era a hora de sair do aperto.
carlinhos tinha carteira A e uma moto honda 300.
com essa moto ele ganhava o bairro,
agora iria ganhar a vida.

a partir daqui segue aquilo que não é ficção.

estava eu seguindo de moto por uma avenida ampla e reta
quando um motoboy, desses de entrega de comida, passou
voando por mim.
poderia ser o carlinhos?
certamente, queria que a comida chegasse quente.
bem a nossa frente, ainda distante, uma senhora iniciou a travessia da via.
percebi que era idosa e que levava consigo algumas sacolinhas
de supermercado.
o piloto de fuga tinha a mesma visão que eu,
a velhinha não entrou de repente na rua,
não surgiu do nada.
nossa visibilidade era excelente
e tínhamos total controle da situação.
mas o rapaz não reduziu a velocidade e continuou
como se estivesse em interlagos.
eu, que seguia atrás, já estava analisando a situação:
"poxa, o cara tá vendo a velhinha atravessando a rua mas não reduz...
esse cara vai atropelar..."

__pow!!!

a senhora rodou no ar e caiu metade no canteiro central
e metade no asfalto, no meio da avenida muitas maçãs,
fraldas tamanho p, provavelmente pro netinho,
latinhas de cerveja, refrigerantes e uns vegetais que não consegui identificar.

arrastando uns vinte metros seguiu o motoqueiro,
a caixa de comida voou longe mas não chegou a espalhar o pedido.
quando parou, começou a se levantar, mais ralado
que canela de skatista.
encostei minha moto e corri para prestar socorro à idosa.
ela estava em parada cardiorrespiratória.
ajeitei a cabeça dela e pressionei o peito,
momento que ela deu uma esbaforada,
expelindo sangue pela boca.
__ela vai ficar bem! liguem 193 urgente!!
fiquei uns dois minutos ao lado dela quando
apareceu uma médica e deixei aos cuidados.
fui dar um apoio para o motoboy.
já havia escutado ele dizendo que a velhinha
tinha atravessado a rua de repente.
juntei algumas coisas dele que estavam espalhadas na avenida
e, com a ajuda de outra pessoa,
levantamos a motocicleta.
me aproximei do atropelador e disse:

__rapaz, eu estava bem atrás e vi tudo, você estava muito rápido.
__não!! ela entrou de uma vez na rua!
__negativo! nós dois vimos a hora que ela começou a atravessar e dava para reduzir, desviar etc, mas você
continuou pilotando feito um louco!
__então você tá dizendo que eu sou culpado?
__sim! você é o culpado! quando a gente vê um cachorro, uma criança, um idoso, enfim, qualquer coisa atravessando a rua,
a gente tem que reduzir, no mínimo um pouco de direção defensiva você tem que ter! a única coisa que você tinha era pressa!
__ahhhh!! vai tomar no seu ##!!! a véia atravessa na minha frente e eu sou culpado?? vai se #####!!

para evitar confusão, saí de perto do falastrão.

nessa hora, muitos curiosos estavam no local
e um deles conhecia a vítima.
relatei pra ele o que havia acontecido, deixei claro que a senhora não pulou na frente da moto
e informei de outras duas testemunhas que haviam presenciado tudo.
deixei o local antes da chegada dos bombeiros.

infelizmente, no dia a dia, o que temos presenciado
no trânsito é um show de infrações da galera que entrega lanches e marmitas.
contra-mão, calçadas, sinal vermelho...uma série de infrações
que os colocam em risco e ameaçam os demais usuários das vias.
será que a taxa de entrega paga a multa?
não compensa!
pior é quando acontecem situações como a relatada.
o caso é grave e deve ter alguma maneira
dos próprios aplicativos monitorarem estes infratores
ou mesmo excluí-los.
continuar assim só faz aumentar as tristes estatísticas
do trânsito no brasil.
esse tipo de fast-food não compensa.




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