quarta-feira, 17 de março de 2021

Neste ano minha Mãe Natureza estaria comemorando seus 75 anos.

Por estes dias tenho tido muitos momentos oníricos que me levam, de maneira muito real, aos lugares onde eu brincava e ao encontro de algumas pessoas do meu passado. Voltei, por exemplo, ao Aeroporto de Uberlândia em 1983, lugar muito especial para mim e meus irmãos, era o local de trabalho do meu pai. Íamos brincar (e incomodar bastante) no saguão, na sala de espera, de embarque, no terraço, nos jardins, no balcão da lanchonete, onde pedíamos "coisas sobrando", e as queridas Neusa, Judith ou Rosa, às vezes o Elias, nos entregavam pedaços de pães, retalhos de presunto e muçarela, balinhas descascadas. Isso era uma festa! No saguão corríamos e futricávamos nos lixos em busca de qualquer coisa. Tinha quatro orelhões de onde ligávamos para polícia, 155 e 102. Quando nos cansávamos de dentro, íamos para o terraço curtir os pousos e decolagens, principalmente do Boing 737-200 da VARIG. Nossa...aquilo era um sonho! O cheiro de combustível da aviação até hoje está impregnado nas minhas narinas! E da minha irmã Dóris, que me fez recordar este momento de pura sinestesia. A gente subia nas gameleiras (algumas estão lá até hoje) e fazíamos bolinhas com aquele leite que emborrachava, ahhh isso era divertido! Terrível mesmo era quando os mecânicos do ABC Táxi Aéreo testavam os motores em manutenção, aí era tenso! Nossa casa ficava aos fundos do hangar, não dava pra ouvir nada, só o zunido dos motores. Caras maneiros como o Amorim, o Zé Pretim, o Nilsim, o Astorga, o Silveirão, o Pedrão, entre tantos, eram os responsáveis pela barulheira. Tudo gente boa! Mantinhamos um bom relacionamneto com os fiscais do pátio, Pedrinho, Gláciton, Jerônimo... eles deixavam a gente invadir a área dos latões de lixo, mas quando um de nós ameaçava ir pro rumo das aeronaves, logo apitavam. Dos militares da Aeronáutica que, na época, controlavam a torre e faziam as fiscalizações devidas para o Departamento de Aviação Civil, me recordo bem das figuras dos Cabos Nelson e Wilson, que eram os motoristas que levavam os filhos dos funcionários do aeroporto para escola. O Nelson tinha um pomo de Adão muito engraçado e o Wilson era gago de tudo. Um cara que sempre botava a gente pra correr era o Sr. Peregrino, ele era aliado do meu pai. Sempre com um guarda-chuva a tiracolo, coisa que nos metia medo. Meu pai fazia trabalhos externos, geralmente, ao lado ou na cabeceira da pista, era um serviço pesado. Quase sempre eu levava o café e a água pra ele, quando o pessoal da fiscalização me via com a garrafa, não me impediam de ir, pois sabiam que era pro meu pai, que estava garrado no enxadão debaixo do sol. Coisa boa mesmo era os comes e bebes do serviço de bordo! tudo era dispensado nos tambores do pátio do aeroporto. A gente pulava a cerca da nossa casa e ia pegar tudo! Sobras abertas e algumas lacradas. Comíamos ali mesmo e levava um pouco pra dividir em casa. Na sala de embarque a gente passava rapidinho só porque era proibido. Na estacionamento sempre ficava um dos irmãos vigiando carros para ganhar algum trocado. Quem mais ganhava era eu ou o Kebim, os melhores flanelinhas da área! No quintal da nossa casa tinha muitas árvores frutíferas e a gente colhia as frutas pra vender para os taxistas e funcionários do aeroporto. Muitas vezes fazíamos permuta por doces. O Pinheiro, com seu passat iraquiano todo amassado, era o único taxista que não comprava nada, era pão duro. Me lembro que o carro tinha um amassadão, todo enferrujado, que cobria o lado direito inteirinho! Era horrível! Em compensação, o Carioca, o Bug, o Fafu, o Baixim e o Mala Véia, sempre davam aquela força. Creio que o Mala Véia, às vezes, passava a gente pra trás, mas deixa quieto. Meu pai não gostava que a gente ficasse zonzando pelo aeroporto, tinha muitas reclamações contra a nossa inocência. Mas...a gente não tinha outra opção, no máximo, invadir a área de cerrado em torno da pista para caçar algumas gabirobas e pitangas. Aí era outro problema! Ou então... O nosso campinho de futebol era uma loucura! era o jardim do aeroporto, todo gramado, uma delícia pra brincar! Ali nos reuníamos com os outros garotos, filhos dos militares que trabalhavam no aeroporto. Tinha o Mark, filhos do Sgt. Humberto e da Dona Maria, o William Cabeção e seu irmão Elias, filhos do Sgt. Willian e da Dona Margarida, o Clécio Peidorreiro, filho do...vixi! Esqueci o nome do pai dele...da mãe eu me lembro, Dona Tânia, que me chamou de vileno depois que eu quebrei o braço do gordinho dela, o Rodrigo e seu irmão Juninho, filhos do Sgt. Sousa Neto, o outro Rodrigo e seu irmão Eduardo (que era afeminado e muito engraçado!), filhos do Sgt. Assad. Era só muleque fineza! A gente montava os times e brincava muuuito! Me lembro que, na casa do Mark, foi onde eu e meus irmãos experimentamos, pela primeira vez: gelatina, toddy, leite ninho e yogurte. Caaaaraaa... eu com meus sete anos comendo aquelas coisas maravilhosas... Era incrível! Lá também a gente jogava River Raid e assistíamos filmes pelo vídeocassete. Na minha casa não tinha sobremesa, nem esses luxos de toddy e danone! Nem tão pouco um Atari ou vídeocassete! Obrigado Dona Maria! Outro cara gente boa era o Seu Otávio, um velhinho boa praça que trabalhava, não sei em qual setor do aeroporto, mas sei que ele tinha um ford Belina e quando ia pra qualquer lugar e nos via na rua, chamava a gente pra ir junto. Nem precisava avisar nossos pais, a gente já passava o dia sumido mesmo. Era divertido andar de carro no porta malas fazendo algazarra! Ele ia, resolvia os corres dele na cidade e voltava. Às vezes comprava balinhas pra gente. Era muito divertido! Bom, nessa época meu pai era alcóolatra e quase todo salário sustentava pinga e cigarro. Faltavam as coisas em casa, não raro, flagrava minha mãe chorando, sem saber o que faria pra gente comer. Às vezes ela saía pedindo alguma coisa na vizinhança, quase sempre voltava de mãos vazias por que os vizinhos só compravam o "suficiente" para o mês. Então ela ia pedir nas grandes cerealistas que ficavam no Bairro Tibery, e eu ia junto. Voltávamos para casa com feijão bandinha e arroz quebradinho. Já era o suficiente. Ela era uma guerreira! Quando colhíamos abacates, ela colocava tudo numa caixa e, levando sobre a cabeça, trocava por mercadorias nas mercearias do Bairro Custódio, principalmente na Mercearia do Wilson, onde, inclusive, tive meu primeiro emprego oficial em 1985, estava com 10 anos. Minha mãe levava leite, farinha de trigo e outras coisas, bem pouco pelo peso dos abacates. Ela fritava os famosos bolinhos, que era o nosso café da manhã e da tarde. Delícia! Meu pai abandonou a cachaça em 1987, depois de ir preso por violência doméstica. É...muitas vezes apanhamos de cinto, chutes, pedaço de pau, galhos... a gente morria de medo do pai. Minha mãe, muitas vezes, apanhou em nosso lugar. Não me sai da memória um dia em que eu estava doente, deitado no sofá, queimando de febre e meu pai mandou eu sair, mas eu estava sem forças e desanimado. Então ele tirou o cinto pra me acertar. Minha mãe viu a cena e se pôs na minha frente, meu pai mandou ela sair mas ela disse que não, que eu estava muito doente. Então ele disse que bateria nela e bateu mesmo, depois saiu de casa. Momentos tristes assim eram recorrentes. O cigarro ele deixou em 1999, depois de sofrer um infarto quase fatal. Hoje ele é uma outra pessoa, bem diferente do nosso tempo de infância. Neste ano minha Mãe Natureza estaria comemorando seus 75 anos. Ela nasceu em 16 de março de 1946.Era isso. Os momentos oníricos me fazem relembrar tantas coisas boas que passamos ao lado dessa mulher maravilhosa, que nos fez homens e mulheres honestos e dígnos, são oito filhos, todos muito bem encaminhados. Os filhos da Dona Benvinda! Os Fabricinhos! Pelo nosso passado, poderíamos ter seguido caminhos tortuosos, mas ela nos inspirava. De onde estiver minha Mãe Natureza, ouça o meu "eu te amo" para sempre, o nosso "nós te amamos". Didi, Jandim, Kebim, Jefin, Nandin, Dorinha, Francinha e Isaurinha mandam beijos e abraços! Uma saudade que, só se alivia, pela certeza do céu, pela certeza de uma missão muito bem cumprida na face da Terra.

Um comentário:

Joaquim Albernaz disse...

Jefim, vocẽ é um mestre na arte das letras, meu irmão! Você se lembrou de nomes, que eu nem recordava mais! Estou emocionado com essas memórias! Foram muitas alegrias, descobertas, tristezas, dificuldades, porém hoje temos o selo de nossa mamãe estampado em nosso peito, todos nós estamos bem na vida e o papai é um outro homem! Meus parabéns!