sexta-feira, 1 de abril de 2022

com medo da morte, morremos mais rápido

O bisavô tinha 96 anos de vida quando o conheceu e meu filho estava com alguns meses, aquela fase só bochecha. Brincaram, fizemos algumas fotos e foi muito divertido! Apesar da avançada idade, o Sr. Luiz Miron estava a todo vapor, muito independente e forte, nenhuma moléstia, nada de comprimidos e afins, apenas caminhadas e ginástica, aliás, ele fazia questão de desafiar os mais jovens a repetirem algumas daquelas manobras complicadas. Ninguém dava conta. Era noventão num corpinho de cinquenta. Filho de espanhóis que vieram para o Brasil no começo do século XX, trazia os trejeitos de quem descendia da Península Ibérica. Nasceu no Brasil e construiu sua história de vida ao lado de Dona Conceição, tiveram cinco filhos, dois cresceram e constituíram suas famílias. É aí que eu entro nessa história: me apaixonei por uma neta do vovô Luiz, a Minha Água, Princesa Marroquina, Juliana Meza, filha de Francisco e de Dona Teresinha. O Lorenzo, apesar de ter apenas fotos com o bisa Luiz, sempre esperava o dia em que fosse o encontrar novamente. Ele falava, com muito orgulho, do bisavô de quase 100 anos. Estava ansioso pelo reencontro. Planejamos viagem para Santo André em 2020, no entanto, o mundo foi impactado pela pandemia de COVID-19. Nada de viagens e nada de chegar perto dos nossos idosos. Em 2021 a história da doença continuou e encontros com o bisa apenas por chamada de vídeo. 2022 chegou cheio de esperança: bora ver o vô! Lamentavelmente, uma nova variante do vírus fez com que recuássemos da estrada. Por prudência, toda família considerou mais seguro continuar via internet. O lorenzo está com cinco anos de idade e é um garotinho muito inquieto e fuçador com as coisas da vida. Com dois aninhos já nos assustava com questionamentos pra lá do seu tempo. Enfim, com três já perguntava onde estava a vovó Benvinda, minha mãe, falecida em 2013, e onde estava o marido da vovó, Francisco, filho mais novo do vovô Luiz, pai da minha esposa, que faleceu em 2003. Nós respondemos da maneira mais simples possível: Papai do Céu levou e hoje são estrelinhas no céu. Não por acaso, ele se apaixonou pelas estrelas, ama se deitar no chão e olhar para o céu estrelado (eu também!Não tem um dia sequer que não olho pro céu!). É incrível como as crianças de hoje são ligadas em tecnologia, rapidinho, estão descobrindo a senha do wi-fi. O Lorenzo começou com a Galinha Pintadinha e, em pouco tempo, já estava assistindo vídeos sobre os planetas do sistema solar, sobre os países do mundo, sobre os números, letras, etc. Esses dias ele estava vidrado num vídeo sobre o sistema digestivo. Sim. Ele já me perguntou para onde a comida vai e também como chegamos nesse mundo. Pois é! Os universais! Tem gente que até pensa que estamos pulando etapas dessa construção do conhecimento em nosso filho. Que nada! Ele corre por conta própria! No dia 28 de março o vovô Luiz faleceu, caminhando, passou mal e morreu. Os órgãos, cansados dos quase 100 anos de trabalho ininterrupto, pediram um tempo. Não é eufenismo. A notícia nos entristeceu profundamente, difícil saber que não haverá outra visita. A pandemia afetou milhares de famílias no Brasil, aquelas que perderam uma parte e aquelas que ficaram impedidas do contato social. Nós perdemos a oportunidade de passar alguns dias a mais com Sr. Luiz. Depois da malquista notícia, minha esposa decidiu contar para o Lorenzo. Estávamos no quarto, sentados na beirada da cama e, de repente, a Juliana disse: ___Lorenzo, o bisa virou uma estrelinha, Papai do Céu chamou.___Não mamãe...eu não quero que ele vire estrelinha...___Mas meu filho, ele está bem! Do ladinho do Papai do Céu! Viveu bem vividos 99 anos! E o nosso pequeno começou a chorar um choro doído. Nunca havia visto um choro dele assim, tão sentido, tão profundo. Ele conheceu a morte. A morte é uma certeza na vida e dela não temos como escapar, saber compreeender e conviver com esse mistério é essencial. Se temos medo da morte, mas aquele medo terrível, isso nos limita, vira doença, crises de pânico que se somatizam em tantas outras patologias. Com medo da morte, morremos mais rápido. Medo faz parte da vida, afinal, se não tivéssemos medo, pularíamos com mais facilidade das alturas. Precisamos viver sem medo de morrer, viver apenas. Gozar das boas experiências e sofrer com as dores que nos afligirem, mas não se amarrar no medo que mata. Nos abraçamos e tentamos consolar nosso filho. Passou. Pouco tempo depois eu estava estudando quando o homenzinho da minha vida chegou, timidamente, e perguntou se estava me atrapalhando, disse que não. Ele olhou nos meus olhos e declarou:__Papai eu te amo. Dei um beijão nele e um abraço bem gostoso. Li, naquela declaração, todo o medo de uma criança em perder quem é por ele amado. Fiquei emocionado em ver como o meu menino está tratando os seus sentimentos e como ele me recorda eu mesmo. O amor a gente conhece na simplicidade da vida, não podemos deixar o nosso amor para quando já não estiverem ao nosso lado. Amar é agora! Ahhh Papai do Céu...Olha com carinho por todos nós e cuide bem do bisavô Luiz! Na foto, Lorenzo, bisavô Luiz e, sem camisa, mostrando o peitoral, o priminho Francisco.

Nenhum comentário: