sexta-feira, 4 de setembro de 2015

os pulmões já estão cheios.


os brinquedos ficaram em casa mas
a casa estava sitiada.
uma guerra civil sangrenta se espalha pelo país.
famílias inteiras abandonam tudo para,
ao menos, não perderem suas vidas.
pai, mãe e dois filhos se arriscam na travessia pelos mares.
não há nada a perder.
o sol escaldante e o excesso de passageiros
fazem do pequeno bote salva-vidas
armadilha mortal.
num desses devaneios do mar e dos famintos,
o bote vira.
o homem em desespero segura com firmeza a mão de sua esposa,
as crianças são trazidas até o peito por um dos braços.
neste momento há uma luta pela vida
e uma guerra naquela cabeça:
como todos poderiam se salvar?
num ímpeto pelo ar, as crianças escorregam da mão do pai,
em gritos horrendos, choram e se misturam às águas.
a mãe também se esvai tragada pelos mistérios do oceano.
o homem chora.
copiosamente chora.
não...não era esse o plano...

o sal de suas lágrimas se perdem nas águas do desespero.
tudo é muito salgado e áspero nessa vida.
com braçadas fatigadas,
unhas e pelos,
tudo doía.
um dia é socorrido.
coração ferido,
perdido,
está só no meio de uma multidão de imigrantes.
cada um sentindo-se mais solitário que o outro.
sentem-se animais.

mais tarde o corpo de uma das crianças renasce descansando numa praia turca.
a posição remete ao repouso típico dos bebês.
o castelinho de areia não existe.
as ondas batem no pequeno corpo e o molha com as lágrimas do pai.
o colo da mãe ainda o aquecia
e a beliscadinha dada pelo irmão ainda coça.
estrelas do mar se apagam ao amanhecer
e algumas águas continuam vivas.
o corpinho do menino sírio é uma estrelinha de bruços na areia.
dentre tantas estrelinhas esta tem nome: aylan.

e numa bela manhã
amanheceu o menino estrela aylan!
repousando das tormentas na praia
sonhando para que outro dia lhe caia!

o menino estrela brilha intensamente.
seu brilho deixou perplexo os olhos do policial que,
com suas luvas brancas,
retirou cuidadosamente a criança de suas brincadeiras.
a fotógrafa fez a foto da sua vida,
mesmo que a morte a tenha ajudado,
foi capa.
o corpinho cansado segue para outro lugar e,
certamente, lá não haveria mar.
o pai decide voltar pra sua cidade natal.
não faz mais sentido seguir em frente.
para quê seguir em frente?
este mar, esta fuga, esta sede:
tudo foi tão mau.

volta atrás.

volta para dar a sua família os únicos sete palmos que lhes restam.

aylan se transforma em mais um símbolo do sofrimento dos imigrantes
que lutam pela vida em outras terras.
de quantos símbolos precisaremos ainda?

mesmo que outras terras não os queiram,
eles insistem.
não dá para esperar a degola,
a fome, as doenças, a falta de água e de travesseiro.
não! não dá!!
não dá para esperar estupros,
humilhações, o fogo,
o tiro certeiro.

não há nada melhor que vivermos em nosso cantinho em paz,
não há nada melhor no mundo inteiro!
com as coisas que precisamos ali, ao nosso alcance.
é dádiva!
é gratidão!

podemos assistir tudo de camarim
e esperarmos, sentados,
o fim das primaveras e pesadelos árabes,
asiáticos, africanos...
somos americanos!
mas não podemos nos retirar a responsabilidade.
somos, antes de qualquer nacionalidade,
humanos.

a estrelinha aylan sorri para nós.
podemos ajudar?
sim!
nos resignando,
orando,
doando,
exigindo dos governos,
da onu,
de qualquer lugar!
de qualquer órgão para que seja mais coração.
os pulmões já estão cheios.
um suspiro de esperança pelos aylans
que sonham, ao menos, com uma cama quente.
ai...isso dói no coração da gente...
dorme nenêm
pra um dia acordar...
papai foi buscar pão
e mamãe está aqui,
segurando sua mão.


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